Brasileiros fazem campanha excepcional nos Jogos Olímpicos e alcançam resultados históricos, apesar da falta de investimentos públicos e da pandemia
Darlan Romani não subiu ao
pódio nos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020 por pouco, mas a ausência da medalha não
impediu este atleta catarinense de conquistar o coração dos brasileiros. O
carismático arremessador de peso fez a quarta melhor marca entre atletas da
modalidade ―21m88― e ficou a somente 59 centímetros de conquistar a medalha de
bronze para o Brasil na categoria. Foi o melhor desempenho de um arremessador
brasileiro em Olimpíadas. Antes mesmo de Tóquio, ele já havia feito história.
Na Rio 2016, terminou em quinto lugar, tornando-se o primeiro brasileiro a se
classificar para uma final olímpica em 80 anos. Aos 30 anos, Darlan Romani é um
dos campeões sem medalha que Tóquio revelou ao mundo, a despeito da pandemia de
covid-19 e da falta de políticas públicas e incentivos ao
esporte do país.
A semelhança com o
personagem Sr. Incrível, da Pixar, o inusitado gesto que repetia nas
entrevistas (segundo ele, um recado para a filha que o acompanhava do Brasil),
e a simpatia tiraram Darlan Romani do quase anonimato, um feito geralmente
reservado aos medalhistas. O caminho até o Japão foi longo. Em 2020, ficou sem
ter onde treinar durante o período de lockdown e improvisou o local
de treinos em um terreno atrás de sua casa. A imagem viralizou, e ele correu
para explicar que era uma exceção, após a notícia de que os fãs tinham feito
até vaquinha virtual para apoiar sua preparação para a Olimpíada de Paris 2024.
Também sofreu com a covid-19, mas se recuperou e deu “200%” em Tóquio, num
bordão que repetiu em cada avanço na competição. “Tem um novo ciclo, dessa vez
mais curto. Se eu dava 200%, agora vou dar 300%”, disse o atleta, emocionado,
ao se despedir dos Jogos.
Em Tóquio, o Brasil
encerrou sua participação com 21 medalhas (sendo sete ouros) e a 12ª colocação
no ranking de países, o melhor desempenho brasileiro na histórica das
Olimpíadas ―cem anos após a estreia em uma competição. Mas bons resultados não
são feitos somente de pódios. Muitos atletas do Brasil que foram ao Japão
obtiveram marcas inéditas em suas modalidades, embora não tenham voltado com
medalhas.
“Devemos reconhecer e
celebrar as conquistas desses atletas que não conquistaram medalhas e lembrar
que só estão ali [nas Olimpíadas] os melhores do mundo. A vitória depende de
competência técnica e do dia perfeito. E ninguém tem controle sobre o dia
perfeito”, comenta Katia Rubio, professora da Universidade de São Paulo (USP) e
autora do livro Atletas olímpicos brasileiros. A especialista lamenta
que resultados historicamente expressivos percam
espaço para as narrativas de derrotada, muitas vezes acentuadas, inclusive, na
cobertura midiática.
Um desses resultados
históricos foi o do remador carioca Lucas Verthein, de 23 anos, atleta do
Botafogo, que teve o melhor desempenho de um brasileiro na modalidade olímpica,
ficando em quinto na semifinal do skiff simples, com tempo de
7m02s87. Para chegar a esse resultado, Verthein acordava às quatro da manhã
para conciliar o treinamento de atleta de elite com o trabalho em uma loja de
produtos de informática, as corridas de bicicletas para entregar marmitas preparadas
por sua mãe e as aulas do curso superior de administração de empresas. Aos 13
anos, o garoto que vivia trancado no quarto jogando videogame —aprendeu inglês
assim— recebeu o convite de um amigo para treinar remo no Botafogo e nunca mais
parou. Foi o único atleta do país nessa modalidade em Tóquio.
As jornadas de sacrifício
não são exclusividade, no entanto, dos atletas que não chegaram ao pódio. A
ginasta Receba Andrade, de 22 anos, que fez história ao
conquistar, no salto, a primeira medalha de ouro a ginástica feminina do Brasil
recebe em Jogos Olímpicos, além da prata no individual geral, enfrentou
adversidades socioeconômicas para seguir no esporte. Tendo começado na
ginástica aos 10 anos, em Guarulhos (SP), ia a pé para os treinos ou na garupa
da bicicleta do irmão. Por vezes, tinha que dormir na casa dos treinadores,
onde a mãe ia andando entregar o dinheiro do transporte para as competições.
Sem patrocínio, a atleta tratou de lesões que geraram cinco cirurgias no joelho
até se consagrar campeã olímpica.
Por isso, argumenta Katia
Rubio, é legítimo falar em superação no esporte. “É
uma palavra que foi banalizada, mas não existe esporte sem mérito. E não me
refiro à meritocracia neoliberal, mas no esporte você não compete com o outro,
e sim consigo mesmo e com suas próprias circunstâncias”, defende. Vale lembrar
que tanto atletas laureados, como Rebeca Andrade, quanto os que ficaram
no quase, como Darlan Romani nadam contra uma corrente de falta de
investimentos esportivos. O programa Bolsa Atleta, do extinto Ministério dos
Esportes, registrou entre 2017 e 2021 o menor orçamento em comparação ao ciclo
olímpico anterior, numa queda de 17%. Para as mulheres, o cenário é ainda pior:
34,8% das garotas desistem de seguir carreira em alguma modalidade esportiva
por falta de incentivos, de acordo com uma pesquisa feita pelo Ministério dos
Esportes.
Literalmente remando
contra a maré, Ana Sátila, de 25 anos, que representou o Brasil na canoagem
slalom, tornou-se a primeira brasileira finalista na modalidade na história das
Olimpíadas, ficando em décimo lugar. Natural de Primavera do Leste (MT), Sátila
começou remar aos nove anos por influência de seu pai, Cláudio, que dava aulas
de natação e com quem passou a treinar todos os dias pela madrugada. Em 2012,
com apenas 16 anos, foi a mais jovem integrante da delegação brasileira nos
Jogos de Londres, e repetiu a experiência no Rio 2016, quando uma vitória
olímpica já era vista como possível. “Eu só pensava na medalha, eu queria essa
medalha, era o meu sonho. Dormia sempre pensando nisso e acabei falhando”, contou em entrevista ao canal CNN Brasil. “Mas depois vi que
essa derrota foi o que mais me ensinou em toda minha carreira esportiva”,
completou. Para chegar a Tóquio, seu principal obstáculo foi a pandemia, que a
impediu de praticar na água, obrigando-a a improvisar treinos em casa.
Quem também fez história em Tóquio 2020 foi
Hugo Calderano, de 25 anos, que levou o Brasil às quartas de final do tênis de
mesa pela primeira vez nos Jogos Olímpicos. O mesa-tenista carioca, atual sexto
colocado do mundo pelo ranking da Federação Internacional de Tênis de Mesa
(ITTF, na sigla em inglês) já havia trazido resultados impressionantes no Rio
2016, quando igualou a disputa das oitavas de final, um patamar conquistado
pela primeira vez na Olimpíada de Atlanta, em 1996, por Hugo Hoyama. Filho e
neto de professores de Educação Física, Calderano praticou atletismo —foi
campeão em salto em distância—, jogou vôlei, futebol e basquete antes de se
apaixonar pela raquete. Entrou na escola de tênis de mesa com oito anos e, aos
11, participou de seu primeiro campeonato brasileiro, faturando logo o bronze.
Mais uma prova de que, em qualquer esporte, o que não falta é talento
brasileiro.
O mesmo pode ser dito do
carioca Marcus d’Almeida, que finalizou os Jogos Olímpicos em nono lugar no tiro com arco, igualando
o melhor desempenho da história do país, que era de Ane Marcelle, nos Jogos do
Rio 2016. Depois de pegar no arco e flecha pela primeira vez aos 12 anos, em um
teste da Confederação Brasileira de Tiro com Arco (CBTArco) em Maricá (RJ),
onde foi criado, D’Almeida despontou nos Jogos Olímpicos da Juventude de
Nanquim, na China, em 2014, ano em que ganhou três medalhas de ouro nos Jogos
Sul-americanos e uma prata na Copa do Mundo. Os bons resultados lhe renderam o
apelido de “Neymar arqueiro”. Um ano depois, ele fez parte da equipe que
quebrou o jejum de 32 anos sem pódio ao ser bronze na competição por equipes
nos Jogos Pan-Americanos de Toronto em 2015.
Katia Rubio celebra que o
Brasil esteja criando tradição e abrindo espaço em novas modalidade.
“Quem acompanha o mundo esportivo, sabe que nossos atletas estão fazendo uma
campanha excepcional. Esses resultados ainda são frutos das políticas públicas
criadas com foco no Rio 2016″, explica. Com o Governo de Jair Bolsonaro, que
extinguiu o Ministério do Esporte, a especialista teme o que está por vir. “Me
preocupa como chegaremos às Olímpiadas de Paris em 2024″, admite. Talento, já
sabemos que há de sobra.
Fonte: El País