Real foi a moeda que mais se valorizou no dia seguinte à vitória de Lula
Publicada em: 01/11/2022 07:02 - Brasil & Mundo
Bolsa avançou, apesar da queda das estatais. Preocupação do mercado é que o presidente eleito faça mudanças nas companhias
No primeiro pregão após a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na disputa presidencial, houve forte volatilidade, mas o dólar comercial acabou encerrando com forte queda, e a Bolsa fechou com ganhos. Pesaram o fato de o resultado, mesmo apertado, não ter sido contestado pelo atual governo e a expectativa de que economistas liberais participem da transição. O real foi a moeda com maior valorização globalmente, segundo dados da Bloomberg.
— Havia uma preocupação com ruído institucional, e o mercado se descolou desse tema — disse o economista-chefe do Banco BV, Roberto Padovani.
Ainda assim, os agentes de mercado continuam à espera da definição da equipe econômica do futuro governo.
O dólar caiu 2,55%, a R$ 5,1654. Já o Ibovespa subiu 1,31%, aos 116.037 pontos. Em outubro, o dólar acumulou queda de 4,24%, e o Ibovespa avançou 5,45%.
— O medo que o mercado tinha de acontecer algo depois das eleições está se dizimando aos poucos. Ele (Lula) fez um discurso muito pacificador, mas ainda não temos de fato a indicação de política econômica que ele vai adotar daqui para frente — disse o gestor da Galápagos Capital, Ubirajara Silva.
Volta dos fundos ‘verdes’
Com relação aos investidores estrangeiros, que têm forte presença na nossa Bolsa, a expectativa é que, passada a fase de transição, o fluxo gringo aumente.
Mercados no pós-eleições — Foto: Criação O Globo
O diretor de Investimentos Responsáveis do megafundo Nordea, Eric Christian Pedersen, disse à coluna Capital que o time de dívidas de países emergentes “vai avaliar a possibilidade de retirar as restrições” sobre novos investimentos em títulos públicos brasileiros.
— Estamos otimistas com a possibilidade de retirar a quarentena sobre novos papéis do governo brasileiro — disse Pedersen. — A campanha de Lula e suas promessas indicam que ele irá focar significativamente mais na preservação da Amazônia do que o atual governo. O primeiro passo vai ser reconstruir o Ibama e as demais agências. Recomendamos fortemente que isso seja feito, mas também sabemos que há grandes interesses que preferem a manutenção do status quo.
Com sede na Finlândia, o Nordea tem € 237 bilhões em ativos sob gestão, sendo que um terço desse total obedece aos mais altos padrões ESG (ambiental, social e de governança).
Já o fundo de pensão dinamarquês AkademikerPension, que administra um patrimônio de US$ 17 bilhões, avalia que o Brasil agora pode ser retirado do “modo compasso de espera”.
— Em forte contraste com o antecessor, o presidente recém-eleito prometeu que o Brasil voltará a se empenhar em reduzir drasticamente o desmatamento. Nos últimos anos, o Brasil foi colocado em “modo compasso de espera” por alguns investidores e visto como um pária internacional, mas agora as perspectivas melhoraram significativamente — disse à coluna Capital o diretor de Investimentos do AkademikerPension, Anders Schelde.
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Modo ‘ministro da fazenda’
Ele ressaltou, porém, que “será fundamental cumprir as promessas feitas” e que os investidores estarão observando o Brasil de perto.
Após a vitória, Lula não fez anúncios oficiais sobre a transição, mas a expectativa é que tanto economistas liberais, que declararam apoio ao petista após o primeiro turno, quanto o vice-presidente, Geraldo Alckmin, ajudem nesse processo.
— O mercado está em modo “ministro da Fazenda”. Estão sendo ventilados vários nomes, mas não temos uma indicação clara. Vamos viver isso nos próximos dias, e tomara que não seja por muito tempo. Com quem vai tocar, o mercado já consegue fazer a leitura do que virá em conduta de política econômica — disse o gestor de fundos da Arena Investimentos, Mauricio Pedrosa.
Entre os desafios à frente, analistas destacam a necessidade de Lula apresentar uma nova formulação do arcabouço fiscal em meio às pressões por mais gastos públicos.
— O teto de gastos vem sofrendo muitos ajustes desde 2016. Será preciso uma reformulação. Provavelmente vai ser discutido um novo patamar do teto. Espera-se que haja um compromisso forte do governo em manter essa regra — afirmou Padovani.
Ele lembrou que Lula terá de negociar e construir uma agenda de governo que não reflita apenas sugestões do PT, “mas de um arco de alianças”.
Para o presidente executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma), Nelson Mussolini, “as questões sobre o país estão controladas":
— O mercado financeiro demonstrou isso hoje (ontem) — afirmou. — Fala-se em recriar o Ministério da Indústria. Não é necessário ter uma pasta, mas sim ter políticas que estimulem a indústria.
Petrobras desaba
O avanço do Ibovespa na segunda-feira só não foi maior devido à forte queda dos papéis das estatais. A preocupação é que o novo governo faça mudanças nas companhias.
As ações ordinárias (ON, com direito a voto) da Petrobras desabaram 7,04%, a R$ 33,26, enquanto as preferenciais (PN, sem voto) sofreram um tombo de 8,47%, a R$ 29,81, na maior queda do Ibovespa. Já os papéis ON do Banco do Brasil perderam 4,64%, a R$ 37,02.
Painel de cotações da Bolsa de Valores de São Paulo — Foto: Patricia Monteiro/Bloomberg
— Um governo deve implementar políticas públicas, mas a utilização de empresas listadas em Bolsa precisa ser feita com muito cuidado, porque você não deve chamar acionistas para pagar equívocos públicos — disse o gestor de fundos da Arena Investimentos, Mauricio Pedrosa.
Varejo e educação sobem
Um executivo de uma empresa do setor de energia disse temer mudança na política de preços da Petrobras, que hoje segue as cotações internacionais. Para ele, se Lula acabar com a paridade internacional, como afirmou na campanha, lançará dúvidas sobre como ficarão as refinarias privatizadas.
Alguns bancos e gestoras até já cortaram suas recomendações para as ações da Petrobras. O BTG Pactual, por exemplo, reduziu o preço-alvo de R$ 40 para R$ 35,70. Segundo os analistas do banco, sob Lula a petroleira pode priorizar investimentos, o que reduziria o pagamento de dividendos aos acionistas.
“Apesar de termos confiança de que muitos dos erros do passado não serão repetidos, investidores não podem subestimar a capacidade do novo governo de usar a Petrobras como veículo para impulsionar crescimento econômico, investimentos, empregos e segurança energética”, destacaram em relatório.
Já os papéis de varejo e educação, setores que em tese seriam beneficiados no governo Lula, tiveram fortes ganhos. CVC ON saltou 9,63%, a maior alta do Ibovespa.
Azul PN teve alta de 8,91%, e Gol PN, de 8,83%. As empresas de educação Yduqs e Cogna subiram, respectivamente, 5,42% e 3,46%. No varejo, Magazine Luiza ganhou 2,05%, Via avançou 2,96%, e Americanas, 2,51%.
Apesar do otimismo do mercado, um empresário do setor de varejo relatou receio em relação a mudanças na macroeconomia e ações para segurar os preços de forma artificial, além da falta de divulgação de uma agenda econômica detalhada.
Já o CEO da rede varejista Leader, André Peixoto, observa que, entre as medidas prometidas pelo novo governo, o Desenrola, para renegociar dívidas, poderia ter efeito “no primeiro semestre”:
— Há muita gente endividada, pessoas que ganham R$ 2 mil e devem mais de R$ 15 mil.
Na área de infraestrutura, Marilene Ramos, diretora de Relações Institucionais e Sustentabilidade do Grupo Águas do Brasil, frisa que o essencial é que o novo Marco do Saneamento não seja revogado.
— O país já tem mais de R$ 50 bilhões em investimentos contratados na área de saneamento, com a maior parte prevista para os próximos cinco anos — ressaltou.
Colaboraram João Sorima Neto e Ivan Martínez-Vargas
Por Vitor da Costa, Mariana Barbosa e Glauce Cavalcanti — Rio e São Paulo
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