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Construção de ponte em refúgio de onças-pintadas do Pantanal gera preocupação !

Publicada em: 19/12/2024 12:13 - Mato Grosso do Sul - MS

A construção de uma ponte sobre o rio São Lourenço, ligando Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, no maior centro de observação de onças-pintadas (Panthera onca) do Brasil, está preocupando ambientalistas e profissionais do turismo. A iniciativa foi anunciada oficialmente em 12 de novembro, justamente no Dia do Pantanal.

A proposta prevê a construção de uma ponte de concreto, com cerca de 300 metros de extensão e custo previsto de R$ 60 milhões, que integrará a estrada-parque Transpantaneira (MT) à rodovia MS-214 (MS), conectando o município de Corumbá (MS) ao Porto Jofre, em Poconé (MT).

As secretarias de infraestrutura de ambos os Estados (Seinf, de Mato Grosso do Sul, e Sinfra, de Mato Grosso) afirmam que a obra garantirá um acesso mais prático e otimizado aos visitantes da região, impulsionando o ecoturismo.

Região conhecida pelo turismo de observação de onças-pintadas

FAUNA NEWS Construção de ponte em refúgio de onças-pintadas do Pantanal gera preocupação
407 onças-pintadas já foram catalogadas individualmente ne região em 11 anos – Foto: Gabriela Schuck de Oliveira

Porto Jofre, no município de Poconé (MT), é onde termina a Estrada Parque Transpantaneira. A região atrai turistas do mundo inteiro interessados no ecoturismo, principalmente pela facilidade de observação de animais icônicos da fauna silvestre brasileira, como a onça-pintada. Na localidade está situado o Parque Estadual Encontro das Águas, unidade de conservação com a maior concentração de onças habituadas à presença humana do mundo. O turismo de observação do felino naquela área movimenta, anualmente, mais de sete milhões de dólares.

De acordo com a fundadora do Jaguar Identification Project (Jaguar ID Project), Abigail Martin, o projeto já identificou 407 indivíduos de onça-pintada desde 2013 somente em Porto Jofre. Ela se mostrou preocupada com a permanência da população de onças na região com a construção da ponte, visto que a obra pode fragmentar hábitats críticos e interromper corredores de movimento desses animais.

Historicamente, sabemos que, quando o desenvolvimento humano se expande para áreas naturais, as populações de onças-pintadas tendem a declinar. Essa ponte pode aumentar a presença humana em áreas que, até agora, permaneceram relativamente intocadas”, disse Abigail.

Nos últimos 12 anos, pesquisas do Jaguar Identification Project (Jaguar ID Project) mostram que o sistema fluvial do rio São Lourenço é importante para a saúde e resiliência das onças-pintadas durante desastres ambientais extremos, como incêndios florestais. Segundo Abigail, o rio é um refúgio ecológico para a espécie e a ponte mudará completamente essa zona de amortecimento.

Além desse ponto, Martin destacou que a perda e a fragmentação do hábitat com a construção de uma ponte podem restringir o alcance das onças a presas. Isso tem potencial para gerar mudanças comportamentais, forçando as onças a evitarem algumas áreas, aumentando o estresse e diminuindo o sucesso reprodutivo. Há também o risco de intensificar o conflito entre humanos e onças, o que inclui a caça por retaliação.

Tais mudanças ameaçariam não apenas as onças, mas também toda a comunidade que depende do ecoturismo de avistamento dos felinos para subsistência. Um declínio no número de onças ou o deslocamento desses animais de áreas acessíveis para observação pode impactar diretamente a receita do turismo, afetando famílias, guias e empresas locais.

Um dos pioneiros na prática do ecoturismo no Brasil, o proprietário da Araras Pantanal Ecolodge, André Thuronyi, disse que o trade turístico da região ainda não foi acionado pelo poder público para discussão sobre o projeto. Ele teme que a obra coloque em risco não só o ecoturismo, mas todo o patrimônio natural da região. “Se formos falar sobre a imagem desses dois Estados, líderes do agro, é o ecoturismo que salta aos olhos, de longe, com as ‘boas notícias’ dessa região. Portanto, pôr em risco tal patrimônio, em nome de um desenvolvimento pouco sustentável, me parece precipitado”, lamentou.

O governo de Mato Grosso confirmou que está em andamento uma articulação para escutar as organizações da sociedade civil voltadas à conservação da fauna e do meio ambiente, representantes do trade turístico, além de populações ribeirinhas e outros atores diretamente impactados. “O projeto encontra-se em uma fase inicial, na qual os estudos ambientais e o diálogo com os setores envolvidos são fundamentais”, informou por meio de nota.

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A região abriga muitos representantes da biodiversidade pantaneira – Foto: Chico Ribeiro/Governo MT

Alterações na Transpantaneira preocupam ambientalistas

Em carta assinada por um grupo de representantes da sociedade civil (pousadeiros, guias, motoristas, instituições ambientalistas e comunidade pantaneira), foi divulgada a preocupação com construção da ponte, que poderá representar avanço em um processo de pavimentação na estrada-parque Transpantaneira, futuramente.

Em trechos da carta, destaca-se:

“Não somos contra o desenvolvimento do Pantanal Mato-grossense, mas nos opomos fortemente à ponte, bem como ao asfaltamento da Transpantaneira, pois ambas as obras prejudicarão o ecoturismo, o meio ambiente e a economia local, visto que:

  • *Estradas são os principais vetores de desmatamento e degradação ambiental em diversos biomas brasileiros.
  • *No ano passado, o município de Corumbá foi o quinto município que mais desmatou no Brasil, fato que denota um modelo econômico de desenvolvimento antagônico ao praticado no Pantanal Poconeano, no qual a população se orgulha e ganha, financeiramente, com a proteção do Pantanal e com o ecoturismo praticado na região.
  • *A intensificação do uso da Estrada Parque Transpantaneira por conta do tráfego interestadual trará consigo a pressão por pavimentação dessa via, o que representaria, por si só, o fim de um atrativo turístico importante da região para todos que visitam o local pela sua beleza cênica e realizam safáris em carros semiabertos para observação de fauna”.

O governo de Mato Grosso do Sul, quando questionado sobre a previsão de asfaltamento, informou que “conforme informações recentes, não há planos para o asfaltamento da Estrada Parque Transpantaneira no momento, mantendo a estrada com seu caráter original e ecológico. Da mesma forma, a rodovia MS-214, que se conectará à ponte, não tem previsão de ser pavimentada. Essas decisões buscam equilibrar o desenvolvimento de infraestrutura com a conservação das características naturais do Pantanal. Reafirmamos que a preservação do Pantanal é uma prioridade e que o diálogo com especialistas, comunidades locais e organizações ambientais será contínuo para assegurar que o projeto respeite as peculiaridades da região e contribua para um desenvolvimento sustentável”.

O governo também destacou que medidas mitigadoras de impactos negativos serão detalhadas no processo de licenciamento ambiental, conforme os estudos técnicos recomendarem. “No entanto, como a região possui uma fauna rica e vulnerável, já há discussões sobre a adoção de ações como passagens de fauna (superiores ou subterrâneas), sinalização específica e a implementação de barreiras e cercas em áreas estratégicas para reduzir o risco de colisões com animais. Essas medidas serão avaliadas e monitoradas de forma contínua após a implantação”.

Estradas são risco para a fauna silvestre

Em outras unidades de conservação cortadas por estradas como o Parque Estadual Morro do Diabo, no município de Teodoro Sampaio (SP), o impacto sobre a fauna, em especial sobre as onças-pintadas, é bastante sentido.

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Filhote de onça-pintada morto por atropelamento no Parque Estadual Morro do Diabo em abril – Foto: PM Ambiental SP

A unidade de conservação é cortada pela rodovia estadual Arlindo Béttio (SP-613), que precisou receber o aporte de R$ 23 milhões no ano passado para instalação de medidas para redução de atropelamentos de animais silvestres devido à falta dessas estruturas na época de sua construção e pavimentação.

Em abril de 2023, duas onças-pintadas morreram atropeladas na rodovia, o que pressionou pelo investimento em medidas de segurança para a fauna, como a instalação de quatro novos radares de controle de velocidade, construção de três novas passagens de fauna subterrâneas no trecho, além da instalação de 30 quilômetros de cercamento.


faunanews

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